top of page
  • Foto do escritorFórum Aborto Legal

Colóquio sobre Aborto Legal no RS discute o acesso à informação como um Direito Humano das mulheres


O estigma, o preconceito e a falta de informações adequadas sobre o aborto legal para as mulheres que precisam do atendimento em saúde contribuem para o aumento da mortalidade materna no Brasil. Da mesma forma, o pouco treinamento e a falta de informação adequadas para os estudantes da área de saúde colaboram para ampliar a invisibilidade do tema e aprofundar o problema. Essas constatações são parte do que o debate entre trabalhadores, pesquisadores, estudantes e profissionais das áreas de saúde, direito, comunicação e ativistas feministas apontam como entraves relevantes para a falta de acesso das mulheres ao aborto previsto em lei.


O debate ocorreu no IV Colóquio sobre o Aborto Legal no RS, ocorrido no dia 11 de novembro, em Porto Alegre. Foram mais de 100 participantes, vindos de Campinas (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre, Caxias do Sul, Rio Grande, Canoas, São Leopoldo, Pelotas, Estância Velha, Lajeado, entre outros. Participaram instituições de ensino, como Unicamp, UFRGS, Unisinos, Uniritter, FURG; entidades da sociedade civil, como OAB, Themis, Frente Nacional pela Legalização do Aborto, Marcha Mundial das Mulheres. Também participaram representantes das Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, Apice On (projeto ligado ao Ministério da Saúde) e Instituições Hospitalares como o Materno Infantil Presidente Vargas, Hospital Nossa Senhora da Conceição, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hospital Fêmina, Hospital de Pronto Socorro, Hospital Geral de Caxias do Sul, Hospital Miguel Riet, Santa Casa, Hospital Centenário. O objetivo do encontro foi discutir sobre os limites e as barreiras que persistem e impedem as mulheres de ter acesso adequado aos serviços de aborto legal na rede de atenção à saúde.


No Brasil, o aborto é considerado crime, sendo possível sua realização em três casos específicos: gravidez decorrente de estupro, risco de morte à mulher e fetos com anencefalia. De acordo com a Pesquisa Nacional de Aborto, de 2016, realizada pelos pesquisadores Débora Diniz e Marcelo Madeiro, cerca de 1 em cada 5 mulheres com até 40 anos já fizeram pelo menos um aborto em sua vida. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 50% das mulheres brasileiras que fazem um aborto (estima-se que esse percentual chegue a 250 mil mulheres) precisam procurar atendimento médico, porque o procedimento foi inseguro e provocou graves consequências. O desconhecimento, o preconceito e o tabu em torno do tema levam até mesmo as mulheres que, pela lei, teriam direito ao procedimento seguro nos hospitais a buscarem a clandestinidade. “O problema do preconceito cria uma barreira de informação: primeiro, uma barreira administrativa com equívocos sobre autorizações judiciais, laudos e registros policiais, que não são mais necessários”, explica o médico ginecologista e obstetra, professor, pesquisador e referência na área, Anibal Faúndes (Unicamp). Para ele, essas barreiras se estendem também para o sistema de saúde quando as Unidades de Saúde não proveem o serviço como estabelece a lei e médicos se negam a dar atendimento às pacientes que se enquadram nas normas legais. Para Faúndes, a prevenção primária como educação sexual, acesso à informação e serviços de anticoncepção, bem como a prevenção secundária (facilitar o acesso ao aborto seguro na rede hospitalar pública) são centrais para diminuir os abortos e evitar a mortalidade das mulheres no Brasil.


A conscientização sobre a saúde sexual integral das mulheres foi outro aspecto apontado pela médica ginecologista e obstetra Sandra Scalco como fundamental para diminuir os indicadores de mortalidade das mulheres no Brasil. Embora não seja possível precisar com exatidão quantas mulheres morrem ou sofrem graves sequelas por aborto inseguro no Brasil, em 2016 o Ministério da Saúde informou que o SUS (Sistema Único de Saúde) registrou pelo menos 206 mulheres que morreram vítimas de um aborto inseguro, o que significa uma morte a cada dois dias. Os dados fazem parte do Memorial apresentado pelo Ministério da Saúde durante a audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal para discutir o tema em 2018. Ainda hoje, o aborto está entre as quatro principais causas de mortalidade materna no mundo. Mesmo quando se enquadram em uma das situações previstas em lei, muitas mulheres estão distantes de acessar o serviço a que teriam direito.


A problemática do aborto também está relacionada com as desigualdades sociais. O aborto inseguro e clandestino impacta mais profundamente as mulheres pobres, negras e indígenas, moradoras das regiões norte e nordeste do Brasil. A Pesquisa Nacional do Aborto de 2016 (PNA/2016) revelou que a desigualdade racial e de classe faz com que as mulheres socialmente mais vulneráveis fiquem expostas aos riscos da letalidade porque têm menos acesso à informação, às políticas de prevenção e ao atendimento legal e seguro, quando necessário. Os resultados da pesquisa mostram que, daquelas mulheres que admitiram ter feito aborto pelo menos uma vez ao longo da vida 24% eram mulheres indígenas, 15% mulheres negras, 14% mulheres pardas e 9% mulheres brancas, o que indica uma diferença no acesso à prevenção e ao planejamento reprodutivo. Além disso, estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento apresentado ao STF em 2018, mostra que em 2016 o óbito de mulheres em idade fértil por causa não definida ocupou a 5ª posição em frequência, sendo que 556 mulheres morreram sem assistência médica.


Informação sobre o aborto legal é um direito humano


Durante o Colóquio, profissionais da comunicação e pesquisadoras deram exemplos de como a informação institucional nos sistemas públicos e nos meios tradicionais precisam continuar avançando para um atendimento cada vez mais acolhedor, livre de preconceito e discriminação evitando o medo e a culpabilização das mulheres nos serviços de saúde, incorrendo em noovas violências. Ess foi um aspecto lembrado por Marina Lemos, do Centro de Atendimento de Semiliberdade de São Leopoldo. Também a jornalista Clarissa Barreto citou casos em que a mídia tradicional costuma tratar o aborto sob a perspectiva criminal, além de reproduzir posições dominantes, em geral, de viés conservador. Conforme Clarissa, além do tema ser pouco noticiado pela mídia tradicional, quando o são por tais abordagens reforçam modelos sexistas sobre o impacto social do aborto. A restrição de informações objetivas sobre serviços e direitos, associado a abordagens preconceituosas são aspectos que violam o direito humano fundamental e acesso à informação das mulheres, previsto no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, conforme destacou a advogada e integrante do CLADEM/PR, Sandra Lia Bazzo.


O medo do estigma, o tabu, o respeito à ética profissional e a relação com a moral individual, bem como o receio da condenação pública são questões que precisam ser enfrentadas para superar barreiras para o trato adequado às pacientes que buscam o atendimento médico e têm direito ao acolhimento e atendimento justo e respeitoso. Para enfrentar essas barreiras e prevenir o abortamento inseguro, é preciso sensibilizar os profissionais e ampliar a formação de trabalhadores no atendimento ao aborto legal. Durante os debates, Gregórico Patuzzi (GHC), Marídia Estevam (GHC), Dr Anibal Faundes, Dra Sandra Scalco (HMPIV) e Dra Sonia Madi (HGCS/PRAVIVIS) trouxeram experiências para colaborar com o aprofundamento da formação profissional sem preconceitos.


Da mesma forma, no campo da comunicação, a diversificação das formas comunicacionais, seja pelos meios tradicionais, como cartazes nos hospitais, orientação aos profissionais que atendem a população em sistemas telefônicos, campanhas de sensibilização de profissionais da imprensa, publicidade no sistema de transporte público com informações sobre onde as mulheres podem buscar o atendimento, até grupos e redes por meio da internet, foram exemplos citados como alternativas para disseminar a informação adequada.


Em todas as discussões, um aspecto era comum: a necessidade de romper as barreiras do preconceito que inibem o acesso adequado às informações para a população feminina que precisa do atendimento, assim como para a população em geral, e, ao mesmo tempo, avançar na superação das barreiras no processo de formação dos profissionais e agentes públicos para lidar com situações de aborto legal. Na avaliação final do encontro, a diversidade de profissionais e as experiências distintas foram consideradas fatores positivos que podem colaborar para desenvolver uma comunicação multidisciplinar como forma de superar as dificuldades elencadas e ampliar o acesso aos serviços públicos para as mulheres que necessitam de um acolhimento humanitário, respeitoso e justo. Também foi enfatizado o papel fundamental da rede de atenção primária à saúde na disseminação de informação de qualidade e no atendimento das mulheres baseado em uma abordagem integral da saúde sexual e reprodutiva.


Campanha mundial da ONU “16 dias de ativismos pelo fim da violência contra as mulheres”

O IV Colóquio Sobre Aborto Legal/RS integra a campanha global “16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher”, um conjunto de iniciativas da sociedade civil global incentivadas pela ONU com o objetivo de sensibilizar a sociedade para o fim da violência contra as mulheres (http://www.onumulheres.org.br/16dias/). No Brasil, além das lutas em defesa dos direitos das mulheres a uma vida sem violências, também fazem parte as atividades em torno do dia da Consciência Negra (20/11) e das lutas antirracistas. As mobilizações e atividades previstas nas mobilizações vão até o dia 10 de Dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.


SAIBA MAIS


O Colóquio Aborto Legal no RS é uma das ações do Fórum Aborto Legal RS para oportunizar trocas de experiências e divulgar informações sobre a temática do aborto legal. É uma atividade plural, que agrega profissionais de várias áreas do conhecimento (medicina, enfermagem, psicologia, serviço social, direito, educação, segurança pública, entre outras) além de organizações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Embora cada edição tenha um tema específico, o objetivo de todos os encontros é a construção de ações concretas que ampliem o acesso e qualifiquem o atendimento das mulheres que necessitam dos serviços previstos em lei. O primeiro evento ocorreu em 2016 e, desde então, os encontros têm sido anuais.


O Fórum Aborto Legal RS é um espaço que reúne organizações da sociedade civil preocupadas com a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, entre os quais, o direito ao aborto previsto na lei brasileira. Atualmente materializado como um projeto de Extensão na UFRGS, o Fórum tem como proposta articular ações concretas para melhorar o acesso das mulheres às informações e qualificar o atendimento nos casos de aborto previsto em lei no RS.

55 visualizações1 comentário
bottom of page